domingo, 23 de julho de 2017

ASTROFÍSICA PARA GENTE COM PRESSA


Início do novo livro de Neil deGrasse Tyson :

"A história mais fantástica alguma vez contada

"O mundo tem persistido durante muitos anos,
depois de ter sido posto, pela primeira vez, no
movimento certo. E tudo decorre daí."
Lucrécio, ca 50 a. C.

No início, há cerca de catorze mil milhões de anos, todo o espaço e toda a matéria e toda a energia
do Universo conhecido estavam contidos num volume inferior a um bilionésimo do ponto final que termina esta frase.

O ambiente era tão quente que as forças básicas da natureza que descrevem colectivamente o Universo estavam unificadas. Embora ainda desconheçamos como surgiu, este cosmos mais pequeno do que a cabeça de um alfinete só podia expandir‑se. Rapidamente. Foi aquilo que hoje chamamos de Big Bang.

A teoria da relatividade geral de Einstein, apresentada em 1916, dá‑nos a perspectiva actual da gravidade, segundo a qual a presença de matéria e energia curva o tecido do espaço e do tempo envolvente. Nos anos 20, seria descoberta a mecânica quântica que forneceria a nossa explicação actual sobre tudo o que é pequeno: moléculas, átomos e partículas subatómicas. No entanto, estas duas visões da natureza são formalmente incompatíveis uma com a outra, colocando os físicos a competir na corrida a uma única teoria coerente da gravidade quântica que una a teoria das pequenas coisas com a teoria das grandes. Embora ainda não tenhamos chegado à meta, sabemos exactamente onde estão as barreiras mais altas. Uma destas barreiras situou‑se na «era de Planck» do início do Universo. Trata‑se do intervalo de tempo de t = 0 até t = 10^‑43 segundo (um décimo de milionésimo de bilionésimo de bilionésimo de bilionésimo de segundo) após o início, e antes de o Universo crescer até 10^‑35 metros (dez vezes um bilionésimo de bilionésimo de bilionésimo de metro) de diâmetro. O físico alemão Max Planck, cujo nome foi dado a estas quantidades inimaginavelmente pequenas, apresentou a ideia de energia quantizada em 1900, sendo habitualmente considerado o pai da mecânica quântica.

O confronto entre gravidade e mecânica quântica não coloca qualquer problema de ordem prática ao Universo contemporâneo. Os astrofísicos aplicam os princípios e ferramentas da relatividade geral e da mecânica quântica a categorias de problemas muito diversas. Mas no início, durante a era de Planck, o grande era pequeno, e suspeitamos que tenha havido uma espécie de casamento apressado entre os dois. Infelizmente, os votos trocados durante a cerimónia continuam a escapar‑nos, não existindo leis da física (conhecidas) que descrevam de modo fiável o comportamento do Universo durante esse tempo.

Contudo, supomos que até ao final da época de Planck a gravidade se tenha esquivado das outras forças da natureza, ainda unificadas, assumindo uma identidade independente tão bem descrita pelas nossas teorias modernas. À medida que o Universo crescia durante 10^‑35 segundos, continuou a expandir‑se, diluindo todas as concentrações de energia e o que restava das forças unificadas dividiu‑se em forças «electrofracas» e forças «nucleares fortes». Mais tarde ainda, as forças electrofracas dividiram‑se em forças electromagnéticas e forças «nucleares fracas», revelando as quatro forças distintas que conhecemos e amamos: com a força fraca a controlar o decaimento radioactivo, a força forte a unir o núcleo atómico, a força electromagnética a unir moléculas e a gravidade a unir a matéria sólida.

Entretanto, passou um bilionésimo de segundo desde o início.

Enquanto isso, a interacção entre matéria, sob a forma de partículas subatómicas, e energia, na forma de fotões (receptáculos sem massa de energia luminosa que são tanto ondas como partículas) foi incessante. O Universo estava suficientemente quente para que estes fotões convertessem
espontaneamente a sua energia em pares de partículas de matéria e antimatéria, que se aniquilaram
imediatamente a seguir, devolvendo a sua energia aos fotões. Sim, a antimatéria existe. E fomos nós que a descobrimos e não os escritores de ficção científica. Estas metamorfoses estão claramente patentes na mais famosa equação de Einstein: E = mc^2, uma receita bidireccional para saber quanta energia equivale à matéria e quanta matéria equivale à energia. O c^2 é a velocidade da luz
ao quadrado — um número enorme que, quando multiplicado pela massa, dá a quantidade de energia que obtemos realmente neste processo.

Pouco antes, durante e depois de as forças fortes e electrofracas terem seguido caminhos diferentes, o
Universo era uma sopa fervilhante de quarks e leptões, juntamente com os seus irmãos‑gémeos
de antimatéria, e os bosões, as partículas que permitem as interacções. Desconhece‑se se estas famílias de partículas são divisíveis em algo menor ou mais básico, embora cada uma surja em variedades diferentes. O fotão normal é um membro da família dos bosões. Os leptões mais conhecidos dos leigos são os electrões e talvez os neutrinos; e os quarks mais familiares são... bem, não há quarks familiares. Cada uma das suas subespécies recebeu um nome abstracto sem qualquer finalidade filológica, filosófica ou pedagógica, excepto a de a distinguir das outras: up (cima) e down (baixo), strange (estranho) e charmed (encantado), e top (topo) e bottom (fundo).

Os bosões, já agora, foram assim nomeados em honra do cientista indiano Satyendra Nath Bose. A palavra «leptão» vem do grego leptos, que significa «leve» ou «pequeno». Quark, porém, tem uma origem literária muito mais imaginativa. O físico Murray Gell‑Mann que, em 1964, propôs a existência de quarks como os constituintes interiores dos neutrões e protões, e que na altura pensava que a família de quarks tinha apenas três membros, retirou o nome de uma frase caracteristicamente
enigmática do livro Finnegans Wake, de James Joyce: «Três quarks para o Mr Mark!» Uma coisa
boa que os quarks têm: os seus nomes são simples — algo que os químicos, os biólogos e especialmente os geólogos parecem incapazes de conseguir quando dão nomes às suas coisas.

Os quarks são criaturas peculiares. Ao contrário dos protões, cada um com uma carga eléctrica de +1, e dos electrões, com uma carga de –1, os quarks têm cargas fraccionais de um terço. E nunca apanhamos um quark sozinho; cada um está sempre a agarrar outros quarks nas proximidades. De facto, a força que mantém dois (ou mais) quarks juntos torna‑se efectivamente mais forte quanto mais os tentarmos separar — como se estivessem ligados por um certo elástico subnuclear. Se separarmos
com suficiente intensidade os quarks, o elástico rebenta e a energia armazenada segue a equação E = mc^2 para criar um novo quark em cada extremidade, deixando‑nos exactamente como começámos.

Durante a era dos quarks e dos leptões o Universo era suficientemente denso para que a separação média  entre quarks isolados rivalizasse com a separação entre quarks unidos. Nessas condições, o compromisso entre quarks adjacentes não podia ser estabelecido inequivocamente e estes circulavam livremente, apesar de estarem colectivamente ligados. A descoberta deste estado de matéria, uma espécie de caldeirão de quarks, foi relatada pela primeira vez em 2002, por uma equipa de físicos dos laboratórios nacionais de Brookhaven, Long Island, Nova Iorque.

Existem fortes provas teóricas que sugerem que um episódio no Universo primordial, talvez durante uma das separações das forças, terá dotado o Universo de uma notável assimetria, segundo a qual as partículas de matéria quase não ultrapassavam as de antimatéria: mil e um milhões para mil milhões. Dificilmente notaríamos a pequena diferença de população no meio desse contínuo de criação, aniquilação e recriação de quarks e antiquarks, de electrões e antielectrões (mais conhecidos por positrões), e de neutrinos e antineutrinos. O fulano  estranho tinha «montes» de oportunidades para encontrar alguém com quem se aniquilar, tal como todos os outros. Mas não por muito tempo. À medida que o cosmos continuou a expandir‑se e a arrefecer, ficando maior do que o nosso Sistema Solar, a temperatura desceu rapidamente abaixo de um milhão de milhões de kelvins.

Entretanto, passou um milionésimo de segundo desde o início.

(...)"

Neil de Grasse Tyson

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

Quem não conhece minimamente estas realidades, quem não pensa nelas, quem não lhes dá importância no processo de inteligência, pode ser feliz, mas eu troco qualquer felicidade pela "loucura" de pensar que ninguém seria capaz de sequer imaginar que um ponto "indistinto", em milionésimos de segundos, se transformaria em extraordinárias potências e que estas, segundos após, noutras ainda mais incríveis e assim sucessivamente, até hoje. Só para ilustrar a complexidade (corrijam as alucinações de um leigo, por favor) conhecendo o antes e o depois do hidrogénio e do oxigénio, nenhuma inteligência à qual fossem dados, teria podido concluir pela existência da água antes de a verificarem e analisarem.
Quanto a isto, estamos sempre no ponto de partida? Sobre o futuro, sobre as possibilidades, as combinações...Seremos hoje algo mais do que um ponto como aquele, referido no início, do qual ninguém, com a inteligência hoje disponível, seria capaz de prever uma única consequência?
Isto também me faz pensar sobre o que é a inteligência humana e o que ela nos permite alcançar.

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