quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A educação chinesa


Sobre o recente livro de uma mãe chinesa, recebemos este texto do professor Hélio Dias, que dirige a Estação Ciência da Universidade de S. Paulo, no Brasil:

Na década de 50, os Estados Unidos estavam mergulhados na Guerra Fria. Diante da ameaça russa, os homens construíam abrigos nucleares e as velhinhas procuravam comunistas embaixo da cama. De repente, desaba o seu mundo. Sobe um foguetaço russo levando o Sputnik. O primeiro satélite artificial desintegra a supremacia científica americana. Mas daquele país sempre vieram respostas decididas, como prêmios Nobel reescrevendo os livros de ciência (aliás, por aqui, ainda há quem não acredite em livros de qualidade). Logo foram à Lua.

Passam-se os tempos, a Rússia afunda. Mas surge uma nova assombração: a China. Faz um século, no país desmoralizado pelo ópio e pelo imperialismo, exércitos das grandes potências zanzavam em seu território, sem que houvessem sido convidados. Canhoneiras americanas patrulhavam o Rio Yangtzé. Vêm o comunismo, a Revolução Cultural e fomes medonhas. Nas últimas décadas, porém, o país se recompõe e, poupando 40% do PIB, cresce a taxas espantosas. Nos Estados Unidos, políticas financeiras levianas tornam o país dependente dos dinheiros chineses e a indústria americana está se mudando para lá.

Mas é ainda pior. O teste do Pisa tornou-se a olimpíada da educação mundial. Enquanto estava a Finlândia em primeiro lugar, vá lá, quem teme um minipaís que faz celulares? Mas decola um novo Sputnik: o campeão absoluto no último Pisa é a cidade de Xangai! Enquanto isso, os americanos amargam posições entre a 15ª e a 31ª (para registro: este ensaio estava pronto quando Obama falou de Sputnik).

Na cacofonia das perplexidades, vira best-seller um livro de Amy Chua (Battle Hymn of a Tiger Mother). Nele, tim-tim por tim-tim, essa professora sino-americana de direito (em Yale) conta como educou suas filhas, ao estilo chinês. Entre outras coisas, eram proibidas de participar de teatro, de atividades extracurriculares, de ver TV ou jogar no computador, de tirar qualquer nota que não fosse A, de obter qualquer colocação que não fosse o primeiro lugar e de tocar qualquer coisa que não fosse piano ou violino (e por duas ou três horas de prática diária). Filhos estressados? Enquanto 70% das mães ocidentais temem as pressões sobre os filhos, 0% das chinesas se preocupa com isso. Se os filhos não se saem bem, é vergonha para os pais. Para evitarem a desonra, gastam dez vezes mais tempo ajudando os filhos nos deveres - em comparação com as mães ocidentais.

Para os orientais, nada é divertido ou agradável, até que seja totalmente dominado. Portanto, não se pergunta à criança se quer estudar, praticar ou se gosta do que está fazendo. É crença deles, gosto se adquire na prática obsessiva e do sucesso que vem dela. Se malandrava ou tirava notas ruins, Chua era chamada pela mãe de "lixo". A vergonha foi um santo remédio e não deixou cicatrizes na personalidade. Se a nota foi menos que A, só pode ser por vadiagem, pois se toma como certo que o filho pode obter os resultados esperados. Daí as inevitáveis explosões de fúria paternal, sem as preocupações ocidentais de traumatizar as crianças.

De camarote, assistimos às dúvidas da família americana. Como enfrentará o Sputnik chinês? De um lado, o medo psicanalítico dos traumas. De outro, os sucessos da linha dura, estilo chinês. Mas e nós, ainda mais condescendentes com nossos delicados pimpolhos? Até que uma pitadinha de mãe chinesa não seria má ideia. Com plena tranquilidade de que jamais veremos tais exageros implantados pelos nossos pais molengões, vejamos algumas boas ideias.

Cabe aos pais ter uma participação muito ativa na educação dos filhos, gastar bom tempo nesses misteres, bem como ter expectativas ambiciosas e frequentemente comunicadas. Cabe cobrar e ser avaro nos perdões instantâneos, mas, também, louvar os sucessos. Ter peninha da pobre criança que não tem vontade de estudar é trocar o conforto emocional de hoje pelo futuro do filho (mais fácil dizer do que fazer!). É errado acreditar que a educação deve ser sempre leve e divertida. Fica assim, depois que se toma o gostinho de lidar com assuntos entendidos. Antes, é suor. A melhor maneira de adquirir confiança em si é aprender o que antes parecia impossível. O papel dos pais é fazer com que isso aconteça, por árduo que seja.

Hélio Dias

Site: www.drheliodias.com

5 comentários:

Anónimo disse...

Não advogo extremismos em termos de pressão sobre os filhos.
Mas, o problema é que no ocidente e mais grave, em Portugal, caiu-se no extremo oposto.
Tudo é desculpado aos meninos mesmo que eles tenham já 13, 14 anos ou até mais, 17, 18 ou 20.
Não sei por motivo, quer-se infantilizar jovens que usam linguagem de gente grande e têm comportamentos de gente grande.
E que tal dar-lhes a ver a realidade da vida em vez de apaparicá-los...
É essa ideia errada que vem todos os quadrantes da sociedade que conduziu ao actual estado de coisas dentro dos recintos escolares.
Governantes, Pais, Encarregados de Educação, Professores deveriam talvez ler este livro e assim seria possível perceber o ascendente da China no contexto de desenvolvimento entre as nações.

Anónimo disse...

Se a escola for tropa e desumanização, então, a China será uma bom exemplo. Acho que nos basta recuperar os melhores valores que temos na nossa cultura, isso já faria maravilhas.

A RESPONSABILIZAÇÃO DO INDIVÍDUO e todo o potencial da REPÚBLICA são suficientes para o nosso sucesso.

Anónimo disse...

Que pena a escola não ter mais a ver com a tropa...
É o país que fica a perder...
Não será igualmente desumano uns andarem a trabalhar e outros a roubar e matar quem honestamente se esforça, simplesmente porque não está para se chatear ou porque o Estado deixou de lhes subsidiar a preguiça?
Enquanto houver esta conversa mole, o país continuará a afundar-se.

Rui P. Guimaraes disse...

Para tudo ha um equilibrio. Se sera uma vergonha nao ajudar na educacao dos filhos sera tambem uma vergonha pressiona los acima das suas capacidades como aconteceu na historia da Sufiah Yusof

http://www.telegraph.co.uk/news/features/3636101/Sufiah-Yusof-child-genius-revealed-as-prostitute.html

Educa-se por necessidade, num mundo extremamente competitivo, e pela melhoria da qualidade de vida que dai advem, e nao por vergonhas...

Anónimo disse...

A educação oriental tem seu lado positivo. Os orientais, de modo geral, são bem disciplinados. Mas a meu ver essa educação não vale a pena. O lado negativo é que, por exemplo, no Japão o índice de suícidios é altissimo. Há até livros e desenhos lançados nesse país que insentivam o suícidio. Pra você ver o quanto essa prática é comum por lá.

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