quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A voz de quem tem sido silenciado...

O nosso leitor Pedro Neto chama-nos à atenção para um artigo de Richard Zimler, escritor de ascendência judaica, na edição de ontem do jornal Público. Desse artigo que pode ser lido aqui, o De Rerum Natura destaca a seguinte passagem:

"Confesso que as palavras de Saramago me deixaram perplexo de um modo muito pessoal ao implicarem que não deveríamos escrever sobre os horrendos crimes cometidos por seres humanos, pois uma boa parte do que faço nos meus romances é explorar as vidas de pessoas cujas vozes têm sido sistematicamente silenciadas por ditadores, generais e inquisidores religiosos.

Penso que escrever sobre a repressão violenta e sobre os tratamentos cruéis é essencial, sobretudo quando se busca a criação de um mundo de mais justiça e humanidade. E uma das coisas que mais respeito e valorizo no Antigo Testamento - apesar de não crer num Deus pessoal e de não praticar nenhuma forma de fé, nem sequer a religião dos meus pais, o judaísmo - é o facto de aí nada ser escamoteado ou escondido.

Quem quer que deseje conhecer até onde pode chegar a abominação e a crueldade humanas e até que ponto Deus - ou o Destino - pode ser impiedoso bastar-lhe-á abrir o Antigo Testamento. Para quem nunca o fez, sugeriria que lessem o tratamento dado pelo Rei David a Urias, narrado no Segundo Livro de Samuel.

Será difícil encontrar descrição mais poderosa da traição e da brutalidade humanas."

4 comentários:

Aristes disse...

Silenciado? Isto não saiu no Público? E isto aqui não é o DRN? Onde se diz que para comentar devemos pensar com profundidade? E para fazer títulos de posts, pensa-se como?

Aristes disse...

Caro Richard Zimler,

Porque é que "as palavras de Saramago ... ao implicarem que não deveríamos escrever sobre os horrendos crimes cometidos por seres humanos"?

Onde é que viu essa implicação? Na sua cabeça?

joão boaventura disse...

Revisitamos uma vez mais o Antigo Testamento, e os horrores das crueldades, de que ainda não estamos livres como os do holocausto, embora aqui, também a América e alguns países europeus tenham dado o seu contributo involuntário.

Mas voltando aos horrores bíblicos do AT sobre os quais opinou Saramago, e agora Zimler confirma, sem que ninguém o diabolize, resta indagar que razões arrastaram os críticos a defender o Antigo Testamento tão acremente e colocar Saramago nas ruas da amargura.

Socorro-me do post de Alexandra Azevedo, São eternidade para aduzir, em paralelo com o Antigo Testamento, os horrores cometidos pelos deuses gregos e romanos.

A história de Crono (tempo), filho de Urano (céu) e de Gea (terra), é uma que cito como mero exemplo.

Gea teve dezoito filhos e desejando fugir a esta fecundidade pediu aos filhos que não deixassem o pai aproximar-se dela, ao que ninguém anuiu, mas Crono, o mais novo, com uma foice castrou Urano.

Crono casou com com a própria irmã Rea, teve seis filhos mas, avisado por um oráculo que um dos filhos o destronaria, começou a devorá-los um a um logo que nasciam. Gea conseguiu salvar o sexto filho, Zeus, apresentando uma pedra envolta num manto e devorou-a.

Lê-se esta história nada edificante, como outras da mitologia greco-romana, como se lê qualquer romace por prazer. Espero que um dia Saramago escreva a história de "Crono", como escreveu a de "Caim".

joão boaventura disse...

Finalmente, vamos ao "Caim", ao homicida que mais não é do que o representante paradigmático, ou o inspirador do assassínio individual, que os sucessores arredondaram para genocídio, etnocídio, holocausto.

Robert Ardrey Publicou, em 1961, "African genesis: :a personal investigation into the animal origins and nature man" (Atheneum Publishers, New York), havendo ainda uma edição inglesa de 1963, editada pela Readers Union: Collins, Londres.

A tradução pela editora francesa Stock, em 1963, veio acrescer ao título de "African genesis", algo mais sugestivo, "Les enfants de Caїn", o que esclarece o alcance da referência, por um lado, e, por outro, pode refrear a impetuosidade com que Saramago foi "trucidado".

O último capítulo da obra, "Nós, os filhos de Caim", inspirou o acréscimo ao título francês."

O autor chega à conclusão que o homem é um assassino, que "o ser que dominou o mundo animal é aquele que soube inventar as melhores e mais eficazes armas para matar". Sumariamente "a história da civilização humana aparece-nos como uma história da arte de matar."

O autor não o diz mas há exemplos que o secundam:
Séx. XV : 2 guerras;
Séc. XVI : 8;
Séc. XVII : 22;
Séc. XVIII : 14; Séc. XIX : 14;
Séc. XX : 7, das quais 2 mundiais
Séc. XXI: ainda a decorrerem no Iraque, no Paquistão, no Afeganistão; e ciclicamente, Líbano-Israel-Palestina.

Os filhos de Caim estão vivos.

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