segunda-feira, 24 de agosto de 2009

CARPE DIEM

Transcrevemos um texto do classicista Delfim Leão, da Universidade de Coimbra, no qual se explica o sentido duma expressão comum e de outras que lhe são próximas.

É bem conhecida a expressão escolhida para servir de título a esta breve nota. Para entender o seu significado básico não se torna, sequer, necessário saber Latim; bastará ter visto o Clube dos poetas mortos, filme que, quando passou nas salas de cinema, colheu apreciadores entre todas as camadas etárias. Seize the day, aproveita o dia — repetia o professor ao seu inquieto grupo de alunos, que, conduzidos pelo fogo do empenho eufórico e da novidade, acabariam por levar demasiado longe algumas das implicações da lição. Talvez porque não tivessem compreendido, desde logo, que o convite para gozar a vida se revelava mais complexo do que pareceria à primeira vista.

Porquê desfrutar da juventude, da beleza, da comida e da bebida, dos divertimentos e distracções? Porque, em si, representam bens que todos temos o direito legítimo de poder saborear. Mas porquê a urgência de experimentar todas estas sensações? Porque são passageiras.

O convite ao carpe diem não ecoa somente o apelo ingénuo da irresponsabilidade inconsequente; obedece a um princípio mais profundo e, de resto, bem menos agradável: a consciência da caducidade da existência humana. Daí que a euforia inicial possa ser facilmente substituída pelo sentimento pessimista de quem está consciente de um fim próximo.

Os Gregos afirmavam: o homem é efémero, o que, à letra, significa que vive um só dia; um cristão recordará: sic transit gloria mundi; o povo diz: a vida são dois dias. Porém, a contingência básica é a mesma. Podemos procurar responder-lhe com a busca desenfreada do prazer ou então com a abstinência intransigente. No entanto, talvez valha a pena recordar, também aqui, a lição clássica da moderação, do meio termo, da aurea mediocritas: o plácido desfrute que não atrai a saciedade nem obriga à abnegação.

Antes de terminar, gostaria ainda de recordar que a expressão, simples e profunda, que motivou estas breves linhas ocorre numa das odes (1.11) de um dos maiores poetas latinos: Horácio (século I a.C.). Carpe diem é uma metáfora agrícola, que nos aconselha, de certa forma, a colher o dia (como se de um fruto da terra se tratasse) quando e como nos parecer melhor, sem deixar que a sombra de um futuro incerto lhe altere o sabor. Contudo, a prudência aconselha a que se goze a primavera da vida sem excessos que convoquem um inverno demasiado prematuro. Carpe diem, diz o poeta, e não carpe diem noctemque!
Delfim Leão

1 comentário:

Unknown disse...

Assim de repente, parece-me que a metáfora agrícola que referiu seja mais no sentido de colher imediatamente, não esperar que o tempo estrague o que está pronto, pois o momento de aptidão é irremediavelmente breve. Parece-me pouco provável o sentido de colher “quando e como nos parecer melhor”.

Também não percebi o alcance do seu conselho final. A quem se dirige? Aos leitores deste blogue? Aos jovens do século XXI? Segundo consta, Epicuro sofria de pedra nos rins, é natural que não gostasse de sair à noite.

Porque vem a respeito: “Come squeeze and suck the day / come carpe diem baby” (Metalica, “Carpe Diem Baby”, 1997).

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