quarta-feira, 30 de julho de 2008

O centenário do hélio líquido -I


O Museu Boerhaave em Leiden celebra com a exibição especial Jacht op het absolute nulpunt o centenário da liquefacção do hélio, cuja história foi resumida num artigo muito interessante no número de Março da Physics Today. O director do museu e curador da exposição, Dirk van Delft, explicita no artigo «Little Cup of Helium, Big Science» que o dia 10 de Julho de 1908, em que Heike Kamerlingh Onnes conseguiu produzir 60 ml de hélio líquido a uma temperatura de 4.2 Kelvin ou −269°C, marca o princípio da «Big Science» em física. Vale a pena ler o artigo do historiador de ciência, disponível em formato pdf aqui ou aqui para quem não tenha acesso à Physics Today.

O trabalho de Kamerlingh Onnes, que lhe mereceu o Nobel da Física em 1913, era baseado no trabalho de dois compatriotas igualmente galardoados com o Nobel da Física, J.D. van der Waals e H.A. Lorentz. Em particular, Onnes estava interessado em testar as teorias de Johannes Diderik van der Waals acerca da equação de estado de gases reais. Kamerlingh Onnes conseguiu assim «bater» (Sir) James Dewar que o ultrapassara na liquefacção do hidrogénio (20.3 K) em 1898 (e inventou no processo o que actualmente chamamos de Dewars ou termos). Com a liquefacção do hélio e a capacidade de liderança de Onnes, o laboratório de física de Leiden passou a ser «o local mais frio da Terra» e tornou-se o polo internacional da física de baixas temperaturas.

A razão porque Dirk van Delft considera que a Big Science em Física nasceu há 100 anos em Leiden pode ser melhor entendida se pensarmos que três anos depois de liquefazer o hélio pela primeira vez, Onnes descobriu que a resistividade eléctrica do mercúrio diminuia para zero quando o metal era arrefecido em hélio líquido, ou seja, a sua condutividade eléctrica tornava-se infinita a esta temperatura. Estava descoberta a supercondutividade!

Mas as surpresas reservadas pelo hélio líquido não se esgotam na supercondutividade. O Carlos já nos falou de Lev Landau a propósito doutro centenário, o do nascimento deste físico brilhante. Landau ganhou o Prémio Nobel da Física de 1962 pelos seus trabalhos sobre o hélio a baixas temperaturas, galardão igualmente conferido em 1978 a Pyotr Kapitsa. Kapitsa descobriu em 1938 que a viscosidade do 4He líquido cai abruptamente (108 vezes) a uma temperatura de 2.17 K, ou seja, descobriu que o isótopo mais abundante do hélio é um superfluido abaixo desta temperatura (ponto λ).

A superfluidez, a capacidade de um líquido fluir sem qualquer resistência que pode ser apreciada no vídeo, foi elegantemente explicada por Landau em 1941. O 4He comporta-se como uma espécie de condensado de Bose-Einstein (BEC), embora as suas propriedades não possam ser descritas quantitativamente pela teoria de Bose-Einstein uma vez que no estado líquido existem interacções entre as espécies, nomeadamente as forças intermoleculares conhecidas como forças de van der Waals, nomeadas em honra do cientista cujo trabalho motivou a primeira liquefacção do hélio.

A existência deste novo estado da matéria foi prevista por Einstein que extrapolou para átomos a estatística de Satyendra Nath Bose inicialmente proposta para fotões. Mas nem Einstein estava muito certo sobre os BECs como confirma uma carta que endereçou em 1924 a Ehrenfest:

«A partir de uma certa temperatura, as moléculas 'condensam' sem forças atractivas, isto é, acumulam-se a velocidades nulas. A teoria é atraente, mas haverá nela alguma coisa de verdade?»

A 5 de Junho de 1995, Eric Cornell, Carl Wieman e colaboradores dissiparam as dúvidas suscitadas por Einstein criando o primeiro condensado de Bose-Einstein. Este condensado de rubídio-87 foi conseguido por recurso a uma técnica que valeu aos seus inventores, Steven Chu, Claude Cohen-Tannoudji e William D. Phillips, o Nobel da Física em 1997. Quatro meses depois, Wolfgang Ketterle no MIT criou um condensado de outro metal alcalino, desta vez sódio-23. Cornell, Wieman e Ketterle foram recipientes do Nobel da Física em 2001 pela sua descoberta.

Mas o hélio líquido continuou a surpreender e 19 anos depois do Nobel de Kapitsa, o prémio foi novamente atribuído à descoberta da superfluidez do hélio, agora do isótopo 3He descoberta em 1972 por David M. Lee, Douglas D. Osheroff e Robert C. Richardson.

Enquanto o 4He é um bosão (segue a estatística de Bose-Einstein), o 3He é um fermião (segue a estatística de Fermi-Dirac) e assim não devia exibir superfluidez. Mas os bosões podem de facto condensar devido ao que justifica a supercondutividade descoberta por Kamerlingh Onnes. A supercondutividade é explicada pela teoria BCS, desenvolvida por John Bardeen, Leon Cooper e Robert Schrieffer (e lhs valeu o Nobel da Física em 1972). Basicamente a teoria diz-nos que embora os electrões sejam fermiões, em metais sobrearrefecidos combinam-se em pares de Cooper que por sua vez se comportam como bosões.

Em 1965, Anthony J. Leggett formulou uma teoria sobre a fase superfluida de fermiões, nomeadamente 3He, na revista Physical Review. Sete anos depois, meras semanas após a descoberta de Lee, Osheroff e Richardson, Leggett interpretou os novos dados na Physical Review Letters em que identifica o estado visto pelos seus colegas (que lhe deram previamente uma cópia do artigo). A explicação valeu-lhe o Nobel da Física em 2003, distinção que partilhou com Alexei A. Abrikosov e Vitaly L. Ginzburg por «contribuições pioneiras para a teoria de supercondutores e superfluidos».

Em resumo, há 100 anos que o hélio nos surpreende e há quem considere que nos pode surpreender ainda mais num futuro próximo, como iremos ver no próximo post.

2 comentários:

JSA disse...

Por curiosidade, o título da exposição, traduzido para português, significa "Caça pelo zero absoluto"

Anónimo disse...

o site é bem interressante só que gostaria de ver um vídeo do hélio líquido!!!!!!!!


by:kAROL

se vocês acharem por favor me mandem gostaria muito de ver

mande pra o meu e-mail:danyloukinha.91@hotmail.com

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